
Marco Civil, sociedade e mercado digital
O Marco Civil da Internet, uma iniciativa inovadora e de vanguarda, está prestes a ser votado pela Câmara dos Deputados. A votação do projeto é aguardada com expectativa pela sociedade em geral e, em particular, por todos aqueles que trabalham diretamente no mercado digital no Brasil.
Considerado uma espécie de Constituição da Internet, por estabelecer direitos e deveres relacionados à rede, o Marco Civil ganhou destaque na mídia e nas redes sociais nas últimas semanas em função de o Governo passar a enxergá-lo como uma peça estratégica depois das denúncias de que a Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos espionou a presidente Dilma Rousseff, a Petrobras e o Ministério das Minas e Energia.
Esse episódio levou o governo a pedir a inclusão no texto final do projeto, redigido pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ), de um artigo que abre a possibilidade para que os provedores de acesso à internet e os portais, por exemplo, sejam obrigados a ter, no Brasil, servidores para armazenar dados dos internautas brasileiros.
Controvérsias
Esse dispositivo tem dividido opiniões. De um lado estão aqueles que veem nisso um exemplo de um nacionalismo retrógado, uma reserva de mercado que resultará na freada do mercado de tecnologia no Brasil. De outro estão aqueles que pensam exatamente o contrário: a obrigatoriedade de que empresas estrangeiras de tecnologia mantenham dados no País vai justamente servir de estímulo à indústria nacional de data centers e melhorar os serviços para o internauta. Além disso, enxergam como efeito positivo o fato de que, com a nova determinação, as companhias internacionais terem de obedecer à legislação brasileira.
Sou grande fã da competição justa, com neutralidade entre competidores e sem reservas de mercado ou subsídios de qualquer espécie. Por isso deveria considerar o dispositivo retrógrado, nada que eu pudesse chamar de “vanguarda”. Pois é, mas não dessa vez. Eu me coloco no segundo grupo. Há vários motivos pelos quais considero necessária a existência desse item no Marco Civil. Comecemos pelas razões de mercado.
De fato, a obrigatoriedade de que dados de usuários brasileiros sejam armazenados em servidores locais contribuirá para que esse setor se desenvolva. Isso é benéfico para as empresas brasileiras de TI – e também para o Brasil e os usuários. Afinal, estamos falando de um dos segmentos mais relevantes, estratégicos e poderosos da tecnologia mundial: o de armazenamento de dados. É importante o Brasil estar na ponta desse setor e ser autossuficiente na área, algo que hoje o País não é. Essa não é, porém, a razão principal de meu posicionamento.
Aspectos legais
Agora, pensemos em outro aspecto ainda mais importante que o mercadológico: o jurídico. Ao serem obrigados a manter servidores no País, as empresas estrangeiras ficarão sujeitas à lei do Brasil. Nada mais justo e adequado. Da forma como acontece hoje, o raio de ação da justiça brasileira está comprometido, pois as empresas internacionais de tecnologia alegam que, como seus servidores estão fora do País, devem satisfação somente à legislação de seus respectivos países. Isso precisa mudar. E rapidamente.
Quem já se viu diante da difícil tarefa de solicitar a retirada de um conteúdo calunioso de um site internacional percebeu que muitas empresas internacionais de internet sequer mantém um procedimento para esse fim no País, limitando-se a responder: “Retiramos qualquer conteúdo apenas com notificação judicial”. Ora, não bastasse o trabalho e o custo que o usuário terá para remover aquele conteúdo, acionando advogados, isso ainda onera o sistema judicial, que passa a funcionar como a terceirização da área de atendimento a clientes dessas empresas. Que, aliás, ganham dinheiro com esse conteúdo. Conta paga, claro, pelo contribuinte.
E o que falar de resistência à abertura dos dados de usuários pedófilos, como vimos num passado recente, sob o mesmo pretexto vazio de que o servidores não ficam no País?
Como se vê, estamos diante de um momento crucial da internet no Brasil. A aprovação do Marco Civil, com a inclusão da exigência de armazenamento de dados no País – e também da neutralidade de rede, outra medida essencial -, será um passo decisivo na direção de uma internet em sintonia com a sociedade e o mercado digital no País.